A dependência química de substâncias é um problema de saúde mundial que acomete e mata milhares de pessoas. Diferentes tipos de drogas podem causar essa doença, inclusive drogas lícitas como nicotina e álcool.
Drogas
O termo droga se refere a todas as substâncias que de alguma forma afetam o funcionamento dos organismos vivos, modificando suas funções fisiológicas e comportamentais. Tais substâncias podem agir então tanto como remédios quanto como venenos, dependendo da maneira como são administradas, da dose e de como se faz seu uso. Essa substâncias podem ser naturais ou sintéticas, lícitas ou ilícitas.
Entre as drogas, existem aquelas que afetam o funcionamento mental e as funções psíquicas, têm tropismo pelo Sistema Nervoso Central (SNC), sendo denominadas psicotrópicos. Essas possuem características peculiares e justamente por afetar órgão tão importante e determinante de todas as nossas ações podem ser potencialmente perigosas.
Os psicotrópicos são divididos em três categorias: estimulantes, depressores e alucinógenos. Os estimulantes têm como propriedade aumentar a atividade cerebral, a vigília e a atenção, induzem o cérebro a estados eufóricos, causam no indivíduo aumento da confiança, disposição, excitação, insônia e sensação de grande força. Os principais estimulantes são a cocaína, as anfetaminas e seus derivados, a nicotina e a cafeína.
As drogas depressoras causam o efeito oposto àquele causado pelos estimulantes. Os depressores diminuem a atividade cerebral, reduzindo os reflexos, a função cardiorrespiratória e a tensão mental, causam prejuízo na capacidade de decisão, na memória, no raciocínio e produzem uma grande sonolência, tornando os usuários pessoas lentas, desatentas e desacordadas. Essa classe inclui o álcool, os benzodiazepínicos (medicamentos usados como calmantes e anti-depressivos), os barbitúricos (usados como ansiolíticos e soníferos), os opióides (utilizados como analgésicos), a heroínas e seus derivados e inalantes.
As drogas alucinógenas, também conhecidas como perturbadores do sistema nervoso central, produzem quadros de alucinação e ilusão, de natureza visual ou aditiva, podendo causar aumento da consciência, conhecido pelos usuários como expansão da mente, perde-se a noção de espaço e a memória recente. São exemplos de alucinógenos maconha, haxixe, mescalina, cogumelo (psilocibina), LSD, DMT (Ayahuasca ou Santo Daime), ectasy e alguns anticolinérgicos. Algumas drogas psicotrópicas podem provocar uso abusivo, uso nocivo e causar dependência.
Dependência Química
Para entender o fenômeno da dependência química, o primeiro aspecto a ficar claro é o fato da dependência ser uma doença que causa alterações cerebrais nas pessoas afetadas. A doença se estabelece através do uso repetido de uma substância que aos poucos vai modificando o funcionamento do cérebro, levando o indivíduo ao uso compulsivo e abusivo da substância, muitas vezes priorizando a busca pela droga e deixando em segundo plano uma série de outras atividades que lhe eram importantes. Dessa forma, mesmo que o dependente queira parar com o uso da droga por conta própria, precisará, na maioria das vezes, de ajuda.
A dependência química traz inúmeras conseqüências à vida dos dependentes e das pessoas de seu convívio. Essas conseqüências são tanto efeitos adversos diretos do uso das drogas, como a toxicidade provocada por seu abuso, quanto indiretos, tais como acidentes, suicídio, violência e uso de agulhas não estéreis. A doença pode em muitos casos causar alterações de personalidade, que se mantém durante o período da doença e desaparecem quando o consumo da substância cessa. Essas alterações reaparecem rapidamente caso o indivíduo volte a consumir a substância, podendo inclusive servir como sinalizadores para as pessoas de seu convívio da drogadição. Essas alterações se caracterizam por agressividade, impulsividade, desmazelo, mentir seguidamente, noções alteradas de ética, arrogância e prepotência, apatia e desinteresse pelas atividades cotidianas, instabilidade afetiva e alterações dos padrões de sono e alimentação.
Decorrente disso, o dependente perde sua função na sociedade e na família, degradando a vida à sua volta. Os maiores contribuintes para a morbidade e mortalidade são as drogas legalmente aceitas como tabaco e álcool, embora drogas ilegais e drogas obtidas a partir de receituários médicos também tenham um papel de destaque.
Fatores de risco
Entre os fatores de risco para a dependência, pode-se falar em fatores de risco comuns para a dependência de qualquer droga e fatores de risco específicos para determinadas drogas. Os fatores de risco comuns para drogas viciadoras incluem o sexo masculino e fatores genéticos. Quanto aos fatores genéticos, sabe-se que o vício não seria determinado por apenas um gene e sim por uma associação de diferentes genes que predisporiam o indivíduo ao vício. Entretanto, existem dificuldades em se determinar que genes são esses.
Indivíduos que possuem diferentes transtornos emocionais e de personalidade também possuem um maior risco. Entre os dependentes químicos, podem-se encontrar tanto pessoas que já apresentavam algum transtorno antes do uso abusivo da substância, quanto pessoas que após o estabelecimento da dependência, desenvolveram transtornos para os quais já eram predispostos, mas possivelmente não fossem desenvolver caso não utilizassem drogas.
Podem-se citar também fatores culturais e sociais. Como fator cultural, a maneira como é ensinado e mostrado às crianças o uso que se faz dos medicamentos e substâncias artificiais vai determinar sua relação com essas substâncias no futuro. Assim, filhos que vêem os pais ingerindo bebidas alcoólicas em momentos de tensão para relaxar e também se automedicando repetidamente e sem maiores necessidades, tendem a repetir esses padrões no futuro.
Os fatores sociais incluem o ambiente em que se vive e as relações sociais. Ambientes em que ocorre maior exposição e facilidade de acesso às drogas além de relacionamentos com pessoas que fazem uso das mesmas também são facilitadores da dependência. Há consenso também de maior risco para a dependência em pessoas mais jovens, assim, quanto menor a idade em que se iniciar o uso da substância, maiores as chances de adquirir a doença, principalmente em se tratando de crianças e adolescentes, que ainda estão em formação. Por último, há substâncias mais potentes e que tem maior poder de causar dependência do que outras.
Fisiologia da dependência
O cérebro humano é dotado de áreas responsáveis pela sensação de prazer, chamadas de sistema de recompensa. Dessa forma, quando realizamos atividades prazerosas essa área é ativada. Evolutivamente, por uma questão de sobrevivência, o homem teve de aprender a diferenciar o que era bom do que era mau. Assim, o cérebro desenvolveu um mecanismo de ligação entre o sistema de recompensa, que recebe as sensações de prazer, e o sistema de planejamento e aprendizado de respostas comportamentais. Toda vez que o sistema de recompensa é ativado, um estímulo ao sistema de aprendizado é enviado para que o organismo aprenda aquele comportamento e volte a repeti-lo. Quanto mais esse sistema for ativado, melhor se aprenderá tal atitude e haverá maior tendência a repeti-la, podendo inclusive tornar-se um comportamento automático.
As áreas responsáveis pelas sensações hedonísticas e pelo sistema de recompensas são a área tegmentar ventral e a substância negra localizadas no tronco cerebral. Essas áreas, por sua vez, irão estimular o córtex pré-frontal e o nucleus accumbens para que o comportamento seja aprendido pelo cérebro. Após muitos estímulos, pode ser estimulado também o estriado dorsal, que é responsável pelos hábitos e pelos comportamentos automáticos, assim, a decisão de consumir a substância não passará mais pelos centros de planejamento e aprendizado, tornando-se automática. Para que o sistema de recompensas ative o sistema de aprendizado de comportamento, é necessária uma substância para transportar e transmitir o estímulo, essa substância é um neurotransmissor chamado de dopamina.
Assim, quando se consome uma droga, a área tegmentar ventral é ativada e a dopamina leva o estímulo até o córtex pré-frontal. Toda vez que uma determinada substância é consumida, repete-se esse ciclo, reforçando cada vez mais o comportamento. Basicamente, o que todas as drogas possuem em comum é uma ativação muito forte da dopamina, fazendo com que o cérebro aprenda rapidamente esse comportamento. As três classes de drogas viciadoras possuem ações diferentes e opostas em muitos casos, mas o que faz com que todas conduzam ao vício e a dependência é a interferência nesse sistema da dopamina e das regiões de prazer.
Esse estímulo é acionado também por qualquer tipo de prazer, como comer, ficar ao sol, se abrigar do frio ou fazer sexo, entretanto, as drogas possuem um poder de estimulação muito maior do que as fontes naturais de prazer, assim tornam o cérebro viciado nesse prazer e o indivíduo passa a negligenciar todas as outras formas de prazer e priorizar somente aquele proporcionado pelas drogas.
Com drogas muito potentes, o vício se estabelece logo nos primeiros contatos pela força do estímulo. Com drogas menos potentes, o vício se estabelece pela repetição do estímulo. Um bom exemplo disso é a nicotina, embora seu poder viciante seja muito menor do que o da cocaína, por exemplo, a ação é muito mais constante, um fumante costuma tragar vários cigarros todos os dias, dessa forma, o comportamento se torna tão reforçado que o vício se torna muito maior e difícil de ser eliminado.
Essa estimulação excessiva desse sistema por uma substância faz com que se crie uma compulsão pelo uso da mesma, o sistema é ativado tantas vezes e com tanta força que o indivíduo não controla mais seus impulsos. Essa vontade incontrolável de obter a droga a qualquer custo é também chamado de fissura ou craving, e para um dependente fica muitas vezes quase impossível ver a droga e não consumi-la.
As drogas afetam também a memória de longo prazo, o que faz com que o dependente esteja de certa forma “doente” para o resto de sua vida. Ocorrem alterações das transmissões neurais como potencialização a longo prazo e depressão a longo prazo, remodelando fisicamente as conexões no cérebro nas áreas envolvidas. Isso faz com que alguém que já foi um dependente crônico, precise estar sempre em alerta, pois poderá sempre voltar a ter o problema. Outro mecanismo causado pela maioria das drogas é a tolerância, que se reflete como uma necessidade de doses cada vez maiores da mesma substância para a obtenção do mesmo efeito.
Síndrome de Abstinência
As ações das drogas costumam durar em média algumas horas e após isso o corpo sofre o chamado efeito rebote. O efeito rebote é o estabelecimento de sintomas e efeitos contrários aos estimulados pela droga, por exemplo, se ao fumar cocaína o indivíduo fica eufórico e muito excitado, quando cessa o efeito ele fica extremamente deprimido. A síndrome de abstinência consiste então no estabelecimento de efeitos contrários aos anteriormente estimulados. O corpo usa isso como um mecanismo de controle, uma espécie de feedback negativo, para manter o equilíbrio. Tais sintomas podem ser tanto físicos quanto apenas psicológicos, variando de indivíduo e também da droga ingerida.
O surgimento da síndrome geralmente provoca mal estar no indivíduo fazendo com que procure novamente a droga, provocando também a chamada paranóia, que é uma necessidade incontrolável do usuário pela substância. A intensidade da paranóia e, posteriormente, da dependência, dependem também das características do indivíduo. Enquanto alguns suportam as sensações desagradáveis da abstinência por algum tempo, outros sentem necessidade de imediatamente ingerir a droga para cessar esses sintomas. A dependência então se desenvolve pela incapacidade da pessoa sentir prazer sem a substância, não suportar os efeitos da abstinência e necessitar sempre consumir mais ficando cada vez mais dependente.
Tratamento
Existem diversas formas de tratamento para a dependência química, entre elas clínicas de internação voluntária, involuntária e compulsória, tratamento ambulatorial, tratamento medicamentoso e grupos de ajuda. O tratamento na maioria das vezes é também acompanhado por um psicólogo e pode incluir terapia familiar. O método de tratamento deve ser decidido por um médico e discutido com o dependente e sua família, sendo importante que o dependente esteja de acordo e queira se recuperar.
Muitas vezes a primeira opção é colocar o dependente em uma clínica de reabilitação, entretanto, deve-se ter em mente que a internação é apenas um passo inicial do tratamento. Precisa-se saber que ele não sairá de lá curado e um dos momentos mais difíceis é quando ele retorna à vida social e pode então se deparar com situações que lembrem a droga e estimulem novamente seu consumo. É necessário que ele reaprenda a vivenciar estas situações e a controlar seus impulsos. Durante o tratamento, procura-se ajudar o dependente a descobrir outras formas de prazer e a voltar a ter prazer com atividades cotidianas.
A regra básica do tratamento é a abstinência da droga. As primeiras semanas são particularmente difíceis por causa da abstinência e em qualquer momento podem ocorrer recaídas. Recaídas são muito comuns e não significam o fracasso do tratamento. Estudos mostram que no primeiro ano 70% tem pelo menos uma recaída, entretanto o sucesso ao final do tratamento também é grande, embora seja preciso aprender a lidar com esses períodos de crise, em que se deve avaliar o que precisa melhorar. Outro passo fundamental é a consciência do doente acerca da necessidade de cuidados para o resto de sua vida.
Crédito: Infomedica Wiki